Já faz algum tempo. Não tenho mais medo, não me faz mais mal, eu não me faço mais mal. Em relação a você eu não faço mais nada. Por um tempo eu fiz de tudo, literal e figurativamente. Agora eu realmente não faço nada, mas é uma pena que eu ainda esteja aqui para falar sobre você.
Eu penso em você com frequência, mas quando eu o faço, eu acho que mais do que qualquer outra coisa é para tentar me responder como eu deixei você me tratar tão mal, como pude me submeter tanto e então fico com raiva de mim mesma. Acho que se explica, pois eu acreditei em nós. Quando alguém ama sempre acredita e muitas vezes fica cego para a gritante realidade que todos parecem ver. Num dado momento, cheguei a acreditar que não merecia amor. Muito boba, né?
Eu penso no pedestal em que lhe coloquei e passei a olhar para você com temor, lá de baixo.
Eu penso em quanto implorei para me manter ao seu lado eu não me lembro por mais quanto tempo. Qualquer tempo era bom. Eu penso em toda a atenção que eu pedia desesperadamente para mim, e em toda a bondade que eu preferia dar a você. Penso em quanto esqueci de mim para não perder você de vista. Penso em quanto pensei que a vida não seria possível se não fosse com você. Penso sobre todas as possibilidades que eu te dei e que você sistematicamente ignorou, jogou no lixo do seu egoísmo doentio. Porque eu era uma coisa boa que você não sabia como manter, mas também não queria deixar ir.
Por quê? Ego inflado? Narcisismo? Sadismo? Medo de amar e ser abandonado? Projeção constante das feridas deixadas por sua mãe? Por quê? Se você percebe que você não ama uma pessoa o quanto ela ama você, por que não deixá-la ir embora? Por que continuar a alimentar uma esperança ao invés de permitir que o outro seja amado em outro lugar como merece? Por que tirar proveito de um sentimento sincero? Para alimentar o seu ego? Mas você é realmente assim inseguro? Todas essas perguntas que me atordoam, a medida que vou aprendendo sobre quem você de fato é, e as respondo, uma a uma, sem precisar ir correndo até onde você estiver em busca desesperada de respostas, como fiz por anos. Eu estou decifrando você porque você não conseguiu destruir por completo meu discernimento. Surpreso? Não fique, há mais força aqui do que você tenha podido perceber enquanto subjulgava e subestimava a mulher que parou de funcionar para “manter tudo sob controle”.
Me lembro da última tentativa que fiz de me afastar com uma carta cheia de carinho que lhe deixei, me despedindo dos sonhos e também de todo aquele abuso. Assumi todas as culpas. Eu o deixei limpo. Não queria sair com raiva, queria somente sair com respeito por tudo que senti e que para você foi sempre um grande ato teatral cujo ator principal, o coadjuvante e todos os figurantes eram só você, sempre você. Até mesmo quando eu fazia um papel, era papel de dublê seu, uma sua extensão, uma máscara que você vestia. Me despedi com amor e fui em busca de reconstrução. Estava decidida.
A resposta veio poucos dias depois: um maço de flores. Flores do semáforo, depois de um domingo em que você havia feito tudo o que era de seu interesse, no tempo que sobrou, pegou algo no semáforo e foi fazer sua última performance do dia. Não perdeu seu tempo preparando nada com o requinte que preparava no início. Não precisava. Sabia que àquele ponto, me contentaria com qualquer coisa. E me encontrou na platéia, para mais uma atuação medíocre, mas tão convincente quando é aquilo que o coração deseja ver... É engraçado quanto aquilo me bastou e como eu fiz a melhor interpretação, dando àquele gesto significados que você sequer cogitou.
Como esquecer, poucos dias depois, mais e mais abuso? Os piores e inesquecíveis.
Me lembro de uma cartinha que, meses antes, você me deixou, dando uma lista interminável de coisas boas sobre mim. Lembro como essas cartinhas sempre colocavam um sorriso no meu rosto para, ao final, dizer que apesar de tantas qualidades eu não lhe servia e que "tinha a tarefa árdua de encontrar uma pessoa com mais qualidades do que eu para apresentar a seus pais", dando um golpe final com um "espero que você tenha aprendido a se valorizar". Era tomada por um misto de desespero, senso de injustiça e culpa que me tiravam a lucidez por completo. Lembro de me perguntar: Será que não me valorizei porque escolhi você? E na minha confusão, fui procurá-lo para entender por que, se eu tinha tantas qualidades, você fazia tanta questão de desqualificá-las? E o que havia para buscar fora de nós dois? Na minha confusão, busquei respostas, não as obtive, fui humilhada, encontrei pela enésima vez o portão fechado por dentro, o choro copioso na rua, os vizinhos que faziam de conta não ver, e ainda assim, fiquei. Como quem gira em círculos, amarrado por uma força mística e maligna, eu não conseguia dar passos que me levassem para longe dali.
Hoje eu compreendo que eu era uma coisa boa demais que você sabia não merecer e talvez por isso nunca me deixava ir. Então eu fui, em silêncio, machucada por dentro e por fora, no período mais negro da minha vida. E eu fui para sempre.
Você não sabe o quanto sua passagem em minha vida me fez mais forte. Não sou mais dependente do seu amor nem do amor de ninguém. Eu aprendi a caminhar com minhas próprias pernas. Você não avalia a grandeza da lição de amor próprio e autopreservação que cruzar seu caminho me deu. No final, foi você quem me preparou para ser amada e para amar de forma sã. Eu sou grata a você por isso.
Ao seu lado eu era só pedaços e , como uma criança perdida, precisava de um ombro para chorar lágrimas que, ao invés de enxugar, você as multiplicava, e isso eu não podia mais permitir. Eu não podia mais aceitar aquela situação. Não mais. Porque você sabe como eu sou. Sabia que um dia eu cansaria de dar-lhe oportunidades, reinventar meus sonhos para acomodar suas necessidades e dilemas, parecendo uma criança com medo do abandono, quase abobada, sem dignidade ou autorrespeito.
“Você não tem amor próprio?” me perguntou no ápice de sua maldade. Tenho sim, mas é que eu olho e, às vezes, acho que quero ver até onde as pessoas podem chegar. Queria ver do que você e seus colaboradores eram capazes. E vocês são capazes de muito, devo admitir. Além disso, acho que de alguma forma fiquei porque temia ter arrependimentos. Eu não queria pensar, um dia, lá na frente, que você merecia outra chance e só então, eu querer voltar atrás. Eu respeito o tempo e o que ele pode fazer com um sentimento adiado. Eu ousei não arriscar o amor do homem que eu havia escolhido. Só errei em ter acreditado que nesse homem havia alguma espécie de amor. Sabemos, eu e você, que não.
As oportunidades, eu lhe dei todas, mesmo aquelas que não merecia, para não ter que me arrepender das minhas escolhas. E realmente eu não me arrependi. E adverti numa de nossas últimas “conversas”: Se fecho a porta da minha vida eu faço isso a sério. Basta. Você existe no plano das minhas experiências, mas deixa de existir naquilo que vislumbro para o futuro. E não demorou. Na verdade, quando fui embora, você já não existia mais no meu futuro. E eu parei de sofrer. Eu sofri antes, durante, mas quando eu decidi, não sofri mais. Não por você. Sofri pelos sonhos, pelos projetos, por aquilo que podia ter sido. Por você, não.
Você sabe o que eu pensei quando eu saí? Eu nunca disse, né? Eu guardei para mim e tinha certeza deste pensamento. Sorri por dentro e pensei: "Você não tem ideia do quanto você vai sentir minha falta!”
Em minha mente, acessei os anos num filme em “fast forward” e vi:
A forma como eu olhava para você, o riso, o pegar sua mão para andar, a atenção às pequenas coisas vitais para mim e insignificantes para você. A guerra contínua de palavras, meu cuidado com sua comida, com sua roupa, com sua segurança e aquele túnel azul que eu construía para que você chegasse em casa seguro. As comilanças juntos, os sonhos lindos que só podiam ser verdade com você, e sua indiferença a todos eles. A sua cara amarrada e acusadora, meus "arranhões", e os problemas graves enfrentados sem medo e sem seu apoio. A menininha que não conseguiu nascer e seu abraço para me consolar que nunca chegou. O “Pelo amor de Deus me ajude a superar isso” e sua resposta oca, que saía pela boca vinda direto de um vão negro: “Não sei como te ajudar, não sou mulher, não seu como se sente, procure um profissional.” O meu "Pode falar?" cada vez que eu ligava com medo de incomodar. Abraços fortes de tirar o fôlego, mas racionados como migalhas de afeto. A luz sempre desligada e meus sentidos sempre acessos, minha vergonha e insegurança, o meu mundo "especial e feliz" que só exista se estivéssemos juntos...
Você vai sentir minha falta enquanto eu fecho os olhos e lembro de toda sujeira escondida e descoberta por trás do homem que me dava tantas lições de moral, que era visto por mim imaculado e puro, enquanto eu, por mais que busque na minha memória e no meu coração, jamais encontrarei um motivo para sentir a sua. Perceba que eu digo "falta" e não "saudade". Sim, porque onde hoje há SAUDADE, antes havia amor, benevolência, carinho e troca. Onde há FALTA, antes só existia dependência e exploração. A palavra saudade e toda a beleza nela contida seria desperdiçada num contexto onde você esteja, pois onde você estiver ali haverá tristeza, desolação, abandono e dor. Saudade você não sente e jamais sentirá de mim e de ninguém que já tenha passado ou venha a passar por sua vida. Nós dois sabemos disso.
Eu vou lhe fazer muita falta e você vai negar e vai, desesperado, buscar alguém para mostrar que já superou. Alguém que seja a minha cara. Isso é o que então vai acontecer e você vai passar a me copiar e me repetir em todas as outras. Meus sapatos, meu cabelo, meu jeito de rir, a lingerie barata que me comprava, os lugares aonde fomos, as surpresas, a pressa, as promessas que não cumprirá e sim, até o jeito de me dar boa noite. Você faz e vai fazer tudo de novo, e de novo, e de novo, até me encontrar. Sim, até encontrar a mulher ideal que fatalmente toda mulher que lhe deixar passará a ser. Mas nós dois sabemos que você nunca vai encontrar essa mulher ideal que você criou. Então aos poucos vai fazê-la pagar por isso, mas aí já será outra história triste de alguém que se apaixonou pelo cara perfeito, mas com ideais de amor irreais que jamais serão satisfeitas já que o buraco fundo e negro de sua ferida narcísica, engole toda e qualquer doação de amor nele depositada.
E como sei? Foi você mesmo quem me disse inúmeras vezes, quando eu elogiava algo bonito que me fez: "Devo ter copiado de algum lugar. Não sou tão profundo assim", o que faz de você uma pessoa extremamente previsível. Corrija-me se eu estiver supondo errado, mas acho que não. Você vai copiar o início, o meio e o fim. É seu isso.
E você deve estar se perguntando: e as coisas "bonitinhas" que eu fiz pra você, não vai mencioná-las?"
Ah, aquelas? Sim, eu me lembro bem de cada uma delas, mas só hoje compreendi o que elas significaram para você e qual era o objetivo delas... Eu pensei que sabia antes o seu significado e enquanto acreditei nele, você virou o meu amo e eu seu gênio; o meu senhor e eu, o seu escravo. Foi agarrada a elas e ao significado que EU lhes dei, que fechei os olhos para todo o horror daquilo que veio depois...
Quantas vezes sonhei ter uma varinha de condão que lhe transformasse no homem que você me apresentou um dia. Isso já me bastaria para que todos os sonhos se tornassem realidade. Mas varinhas de condão não existem e era você mesmo quem dizia: “Será que eu quero toda essa felicidade?” ou "Esse cara que você descreve não sou eu." E não era mesmo. Não era, nunca foi e nunca será, e constatar isso foi uma das experiências mais dolorosas que já tive na vida. E não falo de dor de término, falo de dor que vem de entender que você nunca foi a figura que você nutriu e eu idealizei. Dor de ver minha boa-fé violentada. Dor porque me dei conta de que não importa quanto alguém se “esforce para dar certo”, amor de verdade não requer esforço, apenas flui. Com você não fluiu, não porque eu “não tenha me esforçado o bastante”, mas porque nunca existiu.
É irônico pensar em quantas vezes ouvi você me chamando de mentirosa sem que eu nunca compreendesse qual era a mentira que tinha contado e se tivesse, se era assim tão grande a ponto de merecer tantas punições. Quantas vezes ouvi que você não tinha nenhuma confiança em mim sem nunca compreender o porquê. Logo eu que acreditava como uma criança em tudo o que me dizia. Não havia ninguém nesse mundo em quem eu confiasse mais do que em você. Nenhuma palavra que saísse de sua sua boca para mim era mentira. Paradoxalmente, no final, fiquei com a triste descoberta de que você mentiu ao longo de anos de forma patológica, que as traições e comportamentos promíscuos eram seus e que todas as acusações não passavam de uma projeção doentia daquilo que você mesmo praticava. Ah, como eu quis acreditar que estava errada e como os fatos se mostraram contrários às minhas crenças e às suas acusações. Estranho não? Doeu em mim o fato que você era o grande mentiroso e não eu. Sim, doeu em mim. Não me senti feliz por não ser eu o vilão. Doeu em mim porque amei e acreditei em você de verdade e o engano doeu. Se eu, assim como você, nunca tivesse acreditado, certamente não teria feito tanto mal.
Quantas palavras ditas e não ditas, quantas perguntas, quantos "Por quê?" e quantas respostas que nunca foram articuladas, quantas respostas limitadas a apenas um "Não sei, pode ser" que mais parecia crueldade do que falta do que dizer... Quantas acusações obscuras, quanto desespero no olhar, na confusão de não saber porque tanto amor suscitava em você tanta raiva. Hoje eu compreendo, mas você, não. Você não sabe quanto tempo eu me torturei com todas as coisas não ditas ou não ouvidas, quantos "eu deveria ter feito, eu não deveria ter feito, eu deveria ter dito, eu não deveria ter dito”, quanta culpa por "pecados" que jamais cometi.
Quantos pensamentos, arrependimentos, remorso, tormento, todos juntos! E quanto sei hoje que você plantou em mim esses sentimentos porque nunca foi capaz de senti-los, mas sempre foi capaz de usá-los para me diminuir e me controlar. Por quanto tempo...muito tempo, até que não me importava mais perguntar, saber ou dizer. Até que quebrei, num ato de coragem e dor, o pedestal, o santuário que havia construído para você. E a sua ira por não mais ocupar meu pedestal tomou o rosto do demônio que eu não imaginava habitasse o homem que eu tanto amei.
Lucy