Feminicídio é uma palavra nova para uma prática antiga, uma vez que mulheres morrem de formas trágicas todos os dias no Brasil: são espancadas, estranguladas, agredidas brutalmente até o momento em que perdem a vida. A palavra feminicídio passou a ser usada para designar um crime no Brasil a partir de 2015, pois existe nele uma particularidade. Vamos falar sobre feminicídio?
O que é feminicídio?
Por que a palavra feminicídio é importante?
- Durante a gestação ou nos três primeiros meses posteriores ao parto;
- Contra menor de 14 anos ou maior de 60 anos de idade;
- Contra uma mulher com deficiência;
“O feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante.”
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (Relatório Final, CPMI-VCM, 2013)
Feminicídio é uma palavra que define o homicídio de mulheres como crime hediondo quando envolve menosprezo ou discriminação à condição de mulher e violência doméstica e familiar. A lei define feminicídio como “o assassinato de uma mulher cometido por razões da condição de sexo feminino” e a pena prevista para o homicídio qualificado é de reclusão de 12 a 30 anos.
“Trata-se de um crime de ódio. O conceito surgiu na década de 1970 com o fim de reconhecer e dar visibilidade à discriminação, opressão, desigualdade e violência sistemática contra as mulheres, que, em sua forma mais aguda, culmina na morte. Essa forma de assassinato não constitui um evento isolado e nem repentino ou inesperado; ao contrário, faz parte de um processo contínuo de violências, cujas raízes misóginas caracterizam o uso de violência extrema. Inclui uma vasta gama de abusos, desde verbais, físicos e sexuais, como o estupro, e diversas formas de mutilação e de barbárie.”
Eleonora Menicucci, ministra-chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência (Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República)
Um terço dos homicídios de mulheres no mundo – 35% – são cometidos por seus companheiros, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, enquanto 5% dos assassinatos de homens são cometidos por suas parceiras. A projeção da Organização das Nações Unidas é que 70% de todas as mulheres no mundo já sofreram ou irão sofrer algum tipo de violência em algum momento de suas vidas. Em 2016, um terço das mulheres no Brasil – 29% – relataram ter sofrido algum tipo de violência. Delas, apenas 11% procuraram uma delegacia da mulher e em 43% dos casos a agressão mais grave foi no domicílio.
Esses são alguns dados de muitos outros – sobre os quais falaremos adiante – e que ilustram pontos-chave para entendermos a diferença entre feminicídio e homicídio de mulheres.
O principal motivo para o uso da palavra feminicídio é de que o crime é diferente por si só, por ser um crime de discriminação, cometido contra uma mulher pelo fato de ela ser mulher. Essa discriminação provém no machismo e do patriarcado, que são maneiras culturais de a sociedade colocar a mulher num lugar de inferioridade, submissão e subserviência; de acordo com essa lente, a autoridade máxima é exercida pelo homem e automaticamente a mulher se torna um ser desimportante, que deve dedicar sua vida à servir (principalmente os homens).
Por vezes, mulheres sofrem diversos tipos de violência de gênero – sexual, psicológica, moral, física, doméstica – até que lhe seja tirada a vida. Esse foi o caso de Eloá Cristina Pimentel, de 15 anos, assassinada em 2008 após ser mantida refém por mais de 100 horas pelo ex-namorado Lindemberg Fernandes Alves. A existência dessas formas de violência na vida de tantas mulheres chama a nossa atenção para o fato de que o feminicídio pode ser evitado, por muitas vezes ser o ápice de um processo de violência contínua e que muitas vezes está dentro de casa.
A tipificação do feminicídio como crime de gênero se faz necessária por estar diretamente ligado à violência de gênero e por ser um crime passível de ser evitado – principalmente às vítimas de violência doméstica, que podem ter suporte e seus agressores punidos conforme prevê a lei. De acordo com o Atlas da Violência e outros relatórios, “os dados apresentados [sobre violência contra a mulher e feminicídio] revelam um quadro grave, e indicam também que muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas. Em inúmeros casos, até chegar a ser vítima de uma violência fatal, essa mulher é vítima de uma série de outras violências de gênero, como bem especifica a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06). A violência psicológica, patrimonial, física ou sexual, em um movimento de agravamento crescente, muitas vezes, antecede o desfecho fatal.”
O artigo 121, que define homicídio no Código Penal, foi alterado e teve o feminicídio incluso como um tipo penal qualificador – como um agravante ao crime. A condição do feminicídio como uma circunstância qualificadora do homicídio o inclui na lista de crimes hediondos, cujo termo hediondo é usado para caracterizar crimes que são encarados de maneira ainda mais negativa pelo Estado e tem um quê ainda mais cruel do que os demais. Por isso, têm penas mais duras. Latrocínio, estupro e genocídio são exemplos de crimes hediondos – assim como o feminicídio.
Há circunstâncias em que a pena do feminicídio pode ser aumentada em 1/3. Se a pessoa for condenada a 15 anos de prisão e a situação do crime se encaixar em um dos motivos abaixo, terá mais 1/3 da pena acrescida ao tempo de reclusão, totalizando 20 anos de prisão. As situações agravantes são quando o feminicídio é realizado:
Na presença de ascendentes ou descendentes da vítima – exemplos de parentes ascendentes podem ser os pais e avós, já os descendentes podem ser filhos, netos e assim por diante.
É importante salientar que o feminicídio não define o assassinato de todas as mulheres que morrem dessa maneira: uma mulher que foi morta após um roubo, por exemplo, sofreu o crime de latrocínio; já uma mulher que sofria ameaças de um ex-companheiro e depois foi morta por ele, é uma vítima de feminicídio, pois o caso envolveu discriminação à condição de mulher.
As Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres foi um documento feito pela ONU para Mulheres Brasil e a então Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República em 2016. Com ele, busca-se melhorar a inserção do conceito de feminicídio e qualificar a investigação policial, o processo judicial e o julgamento desses crimes.