Resumo: A seguinte pesquisa teve como objetivo principal apontar a diferença do funcionamento psíquico entre um indivíduo psicopata e um doente mental, bem como elucidar o papel do psicólogo jurídico ou forense frente ao desafio de atuar com o manejo dessa diferenciação que se mostra tão necessária no sistema carcerário brasileiro. O presente estudo acerca da psicopatia advém de uma pesquisa baseada na psicanálise para explicar o conceito de perversão e sua existência em grau patológico dentro da psicopatia. A pertinência deste trabalho contribui de maneira direta para a reflexão em torno do tema desta anomalia que se enquadra dentro dos transtornos de personalidade e da qual desperta uma inquietação em todos os públicos por ser uma anomalia psíquica que leva a realização de atos muitas vezes chocantes e bizarros aos olhos da sociedade. Conclui-se que no Brasil, a necessidade da ênfase direcionada as condutas para com esses indivíduos é algo a ser cada vez mais estudado, visando o bem-estar da sociedade e o sucesso do objetivo de ressocialização dos chamados criminosos comuns, ou seja, que não apresentam psicopatia.
Palavras-chave: Psicopatia, Transtorno de Personalidade, Anomalia Psíquica, Perversão, Diagnóstico Forense.
1. Introdução
Considerando que existem interpretações distorcidas no tocante a questão da complexidade da psicopatia dentro das classificações dos Transtornos de Personalidade (TP) e até mesmo na diferenciação entre sociopatia e psicopatia, objetivou-se neste trabalho elaborar uma pesquisa ligada ao sistema judiciário brasileiro bem como a atuação dos psicólogos jurídicos neste âmbito, e ainda, através de pesquisas bibliográficas, percorrer pelos estudos e pesquisas sobre as mentes de psicopatas e Serial Killers mundialmente conhecidos e condenados por seus atos perversos. No decorrer do trabalho foi mostrado através destas pesquisas, que um psicopata é um ser frio, impiedoso, calculista e sem a mínima capacidade de empatia pela pessoa que se torna seu alvo, e que, apesar da mídia colocar a figura do psicopata como um ser que mata, esquarteja e estupra, nem sempre é assim que acontece. As perversões bizarras cometidas por psicopatas que se tornam Serial Killers podem ser explicadas a partir da abordagem psicanalítica pela qual estará embasado o seguinte trabalho. Porém é importante destacar que mesmo os psicopatas que não cometem homicídios cruéis também podem destruir a vida de suas vítimas de diversas outras maneiras.
Colocada esta questão, tal trabalho pretendeu apontar o quanto o sistema carcerário brasileiro pode ser falho no tocante a questão da reinserção social dos presos comuns quando colocados reclusos juntamente com um psicopata dentro das penitenciárias, visto que na psicopatia segundo pesquisas já realizadas, a chance de reincidência do crime é bem maior comparando-se com os presos comuns. Existe um grande empasse no sistema prisional quanto a esta questão da prisão ou tratamento adequado para estes indivíduos. Uma das técnicas mais discutidas mundialmente, e trazida em adaptação para o Brasil, para medir o grau de psicopatia desses indivíduos é o teste padronizado, a escala PCL-R (Psychopathy Checklist Revised). Existem divergências em qual seria o método mais adequado para tal diagnóstico: os testes, os exames clínicos ou as entrevistas livres.
A atuação dos profissionais na esfera jurídica é um tanto complicada considerando que não existem aqui no Brasil tratamentos e lugares adequados para acompanhar estes indivíduos.
Tornou-se necessário, portanto, caracterizar como o psicólogo atuante na prática jurídica pode contribuir na diferenciação entre um psicopata e um criminoso comum através do trabalho diagnóstico, considerando que a partir disto configura-se uma aplicação de uma medida apropriada tanto para o detento quanto para a sociedade, visto que na psicopatia os casos de reincidências de crimes são muito maiores do que se comparando a indivíduos com doenças mentais. Deste modo buscou-se conceituar a personalidade psicopática fazendo um paralelo com a perversão dentro da abordagem psicanalítica, caracterizar a diferença entre um criminoso comum e um psicopata, apontar dificuldades do psicólogo no diagnóstico e tratamento com os pacientes ou detentos psicopatas e trazer exemplos de alguns casos de psicopatia acompanhados de crimes perversos no Brasil e no mundo.
Foram realizadas pesquisas qualitativas e levantamentos bibliográficos de artigos que que segundo Gil (2009) é realizado exclusivamente a partir de material acadêmico já publicado e se baseia em livros e artigos científicos. Foram usadas também revistas e obras clássicas de autores profissionais e estudiosos da área. As técnicas usadas foram revisões de artigos científicos com base de dados na scielo e lilaacs com as palavras chaves: psicopatia, transtorno de personalidade, anomalia psíquica, diagnóstico forense e perversão, bem como a leitura de obras clássicas baseadas na psicanálise para conceituar o termo psicopatia e perversão. Para tal conceituação foram feitas revisões das obras de Sigmund Freud as quais abordam o tema perversão.
2. Levantamento Histórico Sobre a Psicopatia
Psicopatas sempre existiram ao longo dos séculos, porém, não foi desde sempre que a psicopatia esteve ligada e considerada uma anomalia dentro das classificações dos Transtornos de Personalidade. Com o passar dos anos, e dependendo da concepções e conclusões de profissionais e estudiosos de cada época ou cultura, o termo passou por muitas modificações no que tange ao entendimento do que seja esta anomalia psíquica tão intrigante e complexa para ser compreendida e diagnosticada. A definição de psicopatia é uma tarefa difícil, visando as várias influências tanto relacionadas a vertente cientifica quanto a linguagem de senso comum.
Segundo Henriques (2009), no século XIX a expressão “psicopata” era utilizada pela literatura médica generalizando o termo a todos os doentes mentais, não havendo assim ligação entre psicopatia e personalidade antissocial. Em seu artigo “Personagens psicopáticos no palco” de 1905, Freud afirmou:
Talvez seja consequência do desprezo a essas três pré-condições que tantas outras personagens psicopatas sejam tão inúteis no palco como são na vida real, porque a vítima de uma neurose é alguém cujo conflito não pode ter nenhuma compreensão se a encontrarmos pela primeira vez num estado plenamente estabelecido. Mas, per contra, se reconhecermos o conflito, nos esqueceremos de que ele é um homem doente tal como, se ele próprio o reconhece, deixa de ser doente. (FREUD, 1905, pg,326).
Ao descrever este trecho, o pai da psicanálise alude ao termo psicopata como um neurótico, entendendo-se assim que considerava a psicopatia como sinônimo de doença mental.
A separação e diferenciação do termo psicopatia e doenças mentais começaram a aparecer na Alemanha no século XIX quando a psiquiatria germânica vinculou a psicopatia aos conceitos de “personalidade” e “constituição”.
Segundo Kraepelin, Birnbaum e Gruhle (1856-1925 apud CALDEIRA, 1979, p. 24-27), “uma disposição constitucional seria o gatilho causador da psicopatia, sendo que esta disposição poderia ou não se manifestar no indivíduo, tendo como causa também as influências do meio ao qual o indivíduo estaria inserido”.
Henriques (2009) salienta que o encontro do conceito de psicopatia com o termo antissocial foi fortemente influenciado pelas tipologias negativas de Emil Kraepelin, psiquiatra alemão, referentes ao termo psicopatia.
Kraepelin (1856-1925) classificou os sujeitos psicopatas como: irritáveis, instáveis, instintivos, tocados, mentirosos e fraudadores, antissociais e disputadores (CROCE, CROCE JUNIOR, 2012, p. 674).
Na segunda metade do século XX, após a segunda guerra mundial a psicanálise e a fenomenologia permearam uma significativa influência sob o campo psiquiátrico ocidental, diminuindo assim a importância dos conceitos germânicos a respeito da psicopatia.
A partir daí o conceito de psicopatia se interligou completamente com o termo antissocial e esta ligação desde então passou a predominar.
O principal teórico pioneiro nos estudos da psicopatia dentro da psiquiatria anglo-saxônica foi Hervey Milton Cleickley. Para este autor:
A psicopatia é uma forma de doença mental, porém sem os típicos sintomas das psicoses, o que conferiria ao psicopata uma aparência de normalidade. Para Cleickley o transtorno fundamental da psicopatia seria a “demência semântica”, isto é, um déficit na compreensão dos sentimentos humanos em profundidade, embora no nível comportamental o indivíduo aparentasse compreende-los. (CLEICKLEY, 1988, p.336).
Cleickley (1988), definiu 16 características principais para definir um psicopata em seu livro “A máscara da sanidade” publicado em 1941, baseando-se em histórias de pacientes. São elas: Aparência sedutora e boa inteligência, ausência de delírios e de outras alterações patológicas do pensamento, ausência de “nervosidade” ou manifestações psiconeuróticas ,não confiabilidade, desprezo para com a verdade e insinceridade, falta de remorso ou culpa, conduta antissocial não motivada pelas contingências, julgamento pobre e falha em aprender através da experiência, egocentrismo patológico e incapacidade para amar, pobreza geral na maioria das reações afetivas,perda específica de insight (compreensão interna),não reatividade afetiva nas relações interpessoais em geral, comportamento extravagante e inconveniente, algumas vezes sob a ação de bebidas outras não, suicídio raramente praticado, vida sexual impessoal, trivial e mal integrada e falha em seguir qualquer plano de vida.
Foi a descrição de Cleickley sobre a psicopatia que uniu definitivamente a definição da mesma com o transtorno antissocial, e é também a que permanece até os dias atuais.
2.1 Conceito de Psicopatia
Atualmente a definição que está em consenso entre estudiosos e profissionais da área sobre a psicopatia é de que um psicopata tem como principal característica a total falta de capacidade em desenvolver qualquer tipo de empatia para com outros indivíduos. A mídia tem trazido à público imagens de psicopatas serial-Killers que praticam os mais chocantes crimes e que muitas vezes, representam características distorcidas do que realmente venha a ser um indivíduo com a personalidade psicopática. O cinema é o principal meio no qual temos acesso a representações de psicopatas (MORANA,2006).
Em um seriado americano, o ator Mads Mikkelsen por exemplo, interpretou o doutor Hannibal Lecter, um psiquiatra e psicanalista dotado de uma inteligência invejável, e que em suas horas vagas praticava os mais chocantes assassinatos aproveitando a carne de suas vítimas em seu menu de jantar. No dia seguinte, o personagem simplesmente direcionava-se ao seu consultório e atendia seus pacientes como se nada tivesse acontecido enquanto seu freezer estava recheado de carne humana esperando para ser saboreada por ele.
Um psicopata é guiado por comportamentos considerados desviantes ou impróprios e até mesmo perversos em alguns casos, podendo assim causarem sofrimentos enquadrados em ambos aspectos para si mesmo e para a sociedade. Delton Croce e Delton Croce Júnior discorrem:
“Chamamos personalidades psicopáticas certos indivíduos que, sem perturbação da inteligência, inobstante não tenham sofrido sinais de deterioração, nem de degeneração dos elementos integrantes da psique, exibe através de sua vida intensos transtornos dos instintos, da afetividade, do temperamento e do caráter, mercê de uma anormalidade mental definitivamente pré-constituída, sem, contudo, assumir a forma de verdadeira enfermidade mental”. (DELTON Croce e DELTON Croce Júnior, 2012 p.666).
A grande dificuldade em identificar e conceituar um perfil psicopático encontra-se na própria dificuldade em conceituar o que seria um perfil enquadrado dentro da normalidade.
A psicopatia está diretamente ligada aos transtornos de personalidade, porém é campo de estudo e pesquisas dentro da esfera psiquiátrico forense, no Brasil mais conhecida como jurídica, considerando que indivíduos identificados como psicopatas tem uma grande tendência a se envolverem em atos criminosos e perversos sem apresentarem nenhuma culpa. Um psicopata é capaz de mentir, simular, trapacear e na pior das hipóteses, cometer crimes perversos e chocantes sem apresentarem nenhuma culpa. Desrespeitam o direito e desejos alheios agindo de maneira manipulativa com o único propósito de obter vantagem seja no âmbito financeiro ou social envolvendo sexo ou poder. Por apresentarem incapacidade de sentir culpa ou remorso são capazes de manter frieza em situações que fariam qualquer outro indivíduo se descontrolar (MORANA,2006).
É de grande importância destacar que nem todo psicopata é assassino. Como exemplo, podemos citar Bernard Lawrence Madolff, presidente da maior sociedade de investimento da Wall Street. Madolff foi detido pelo FBI em 2008 depois de descoberta sua fraude calculada em 65 milhões de dólares, sendo considerado a maior fralde cometida por uma única pessoa. Para realizar seu golpe ele conseguiu friamente enganar entidades bancárias, grupos de investimentos e até mesmo entidades de caridade. Madolff se enquadra perfeitamente no exemplo clássico de um psicopata que prejudicou pessoas sem matar e cometer atos violentos.
Todo e qualquer ato de um psicopata é minunciosamente arquitetado e calculado para a obtenção da realização de seus objetivos e sendo assim, são indivíduos completamente sedutores e cativantes, pois possuem a habilidade de conquistar a simpatia das pessoas ao seu redor simulando afetos apropriados para cada situação (HENRIQUES,2009).
Apesar do diagnóstico de psicopatia só ser atribuído ao indivíduo maior de 18 anos, levando em consideração a fase de desenvolvimento da personalidade, as características de um psicopata aparecem ainda na infância, pois desde cedo sua tendência para a maldade se manifesta através de seus atos. Mentir, agir de formas agressivas com colegas de escola ou irmãos, praticar atos ilícitos como incêndios e maltratar animais são algumas destas características.
Em suma o psicopata é totalmente desprovido de senso moral interno e suas ações são completamente voltadas para a realização de seus propósitos, inclusive, em alguns casos, esses propósitos podem ser as mais chocantes perversões sexuais das quais abordaremos no próximo capítulo (MORANA,2006).
2.1.1 Psicopatia ou Sociopatia? – Contrapontos
Os termos psicopatia e sociopatia tem sido usados para definir indivíduos portadores de transtornos de personalidade antissocial (TPA).De acordo com Morana (2006), o CID 10 (classificação de transtornos mentais e de comportamento) em sua décima revisão, descreve o transtorno específico de personalidade como uma perturbação grave da constituição caracterológica e das tendências comportamentais do indivíduo sendo que esta perturbação não deve ser igualada a qualquer outro transtorno ou lesão cerebral, envolvendo aspectos da personalidade e acarretando em um prejuízo na vida pessoal e social.
Os transtornos de personalidade (TP) não são propriamente doenças, mas anomalias no desenvolvimento psíquico, sendo considerados em psiquiatria forense, como perturbação da saúde mental. Esses transtornos envolvem a desarmonia da afetividade e da excitabilidade com integração deficitária dos impulsos, das atitudes e das condutas, manifestando-se no relacionamento interpessoal. (MORANA, 2006, pg.265).
As pessoas portadoras desse tipo de transtorno, especialmente o transtorno de personalidade antissocial, tem um histórico de vida marcado por incompletudes e vários conflitos em suas relações afetivas. Os atos de um indivíduo portador de TPA é permeado por um imediatismo de satisfação, não sendo assim capaz de controlar os impulsos que o direciona para a realização desta satisfação e consequentemente desrespeitando os direitos e vontades de outras pessoas.
Há casos em que o grau de insensibilidade aos sentimentos alheios apresenta-se muito elevado no indivíduo fazendo com que este adote um comportamento criminal recorrente e direcionando assim o quadro clínico de TP para psicopatia.
É preciso considerar que os TP podem se apresentar com um espectro de disposições psíquicas que, em grau muito acentuado, seria realmente difícil distingui-los das psicopatias que, por sua vez não constituem um diagnóstico médico, mas um termo psiquiátrico forense. Não obstante, foi plausível configurar diferenças significativas de padrão, por meio de dados da Prova de Rorschach e ponto de corte da escala Hare. No caso das psicopatias o dinamismo anômalo evidenciou ser mais extenso, envolvendo de modo tão amplo a vida psíquica, que esta condição assume importância particular para a psiquiatria forense, em especial pelo fato de apresentar ampla insensibilidade afetiva, o que dificultaria os processos de reabilitação. (MORANA, 2006, pg,287).
Para caracterizar esta acentuada anomalia psíquica os dois termos usados, psicopatia e sociopatia, causam muitas dúvidas, principalmente entre os leigos, fazendo-se necessário o questionamento: Qual seria o termo mais apropriado? Existe diferença entre sociopatia e psicopatia?
Tal questionamento é assunto de discussão entre psicólogos que atuam nesta esfera. Porém é consenso entre a psiquiatria forense que o termo sociopata definiria o indivíduo com personalidade antissocial causada por aspectos ambientais ou sociais, como por exemplo lesões cerebrais ou maus tratos na infância. A psicopatia por outro lado seria para definir o indivíduo que já nasce com uma grande pré-disposição para a maldade, independendo assim de fatores externos para praticar crimes ou até mesmo atrocidades sem sentir a mínima culpa ou remorso.
Soeiro e Gonçalves (2010), asseveram que na perspectiva das contribuições de Schneider entre 1923 a 1955, quando o autor trouxe o termo “personalidade psicopática” separando então a psicopatia das doenças mentais, o termo então estaria relacionado com desvios no tocante a questão do que seriam características normais da personalidade, enfatizando a importância da pré-disposição para esse desvio.
Estudos mais detalhados se fazem necessário, já que não é consenso entre os profissionais e estudiosos da área o fato de que a sociopatia seria dependente de fatores ambientais para o surgimento de traços antissociais.
Em suma, fica claro que a diferenciação dos dois termos em questão é uma tarefa complexa considerando que os indivíduos que se enquadram dentro do TPA têm as mesmas características impulsivas e com falta de sensibilidade aos sentimentos alheios, resultando tanto em prejuízos sociais levando em consideração o termo “sociopata” quando prejuízos psíquicos pensando em “psicopatia”.
3. Psicopatia e Perversão à Luz da Psicanálise
O termo perversão passou por diversas modificações quanto ao seu significado. Inicialmente era vista a partir da predominante conceituação da medicina da época onde tinha uma conotação patológica de desvio estruturado no termo em latim no qual perversão deriva de pervertere (per + vertere, que significa: pôr as avessas, desviar).
Em “Ensaios sobre a sexualidade” (1905), Freud direciona estudos ao termo perversão considerando então a conotação patológica da medicina tradicional da época fazendo assim contrapontos importantes que vieram contribuir para um rico aporte teórico no que concerne a estruturação do significado da perversão. Os estudos acerca do tema passaram por três períodos. No primeiro Freud (1905 pg. 168), afirma que “as neuroses são por assim dizer, o negativo das perversões”, ou seja, as fantasias dos perversos e dos neuróticos seriam as mesmas, porém na primeira essas fantasias são encenadas, colocadas em prática, enquanto na segunda o indivíduo expressa essas fantasias através do conflito entre a censura e o desejo, derivando assim nos sintomas histéricos.
No segundo período Freud alude a perversão à sua teoria do complexo de édipo, assim, o indivíduo não aceitaria se submeter as leis paternas e consequentemente, as normas sociais resultando então em uma anomalia na formação do superego.
E finalmente no terceiro período o precursor da psicanálise fala da recusa da castração afirmando então que esta seria um mecanismo principal da perversão. Para o perverso a castração seria algo brutal, pois é real resultando no horror ao diferenciar o sexo dos pais acreditando com fervor na perda de seu objeto de desejo (mãe) e na perda de seu pênis.
Nenhuma pessoa sadia, ao que parece, pode deixar de adicionar alguma coisa capaz de ser chamada de perversa ao objetivo sexual normal, e a universalidade desta conclusão é em si suficiente para mostrar quão inadequado é usar a palavra perversão como um termo de censura. Na esfera da vida sexual, defrontamo-nos com dificuldades peculiares e, na verdade, insolúveis, tão logo tentamos traçar uma linha nítida para distinguir dos sintomas patológicos meras variações dentro da escala do que é fisiológico. (FREUD, 1905 pg.163).
Desta forma Freud alerta para o cuidado em se referir a perversão como sendo algo inerente apenas a um indivíduo considerado portador de algum distúrbio patológico, porém não nega que algumas perversões podem ultrapassar a barreira do que se é considerado um ato dentro da normalidade e complementa:
Todavia, em algumas destas perversões, a qualidade do novo objetivo sexual é de molde a exigir exame especial. Algumas delas são tão distanciadas do normal em seu conteúdo que não podemos evitar de declará-las ‘patológicas’. Isto é particularmente exato quando (como, por exemplo, em casos de lamber excrementos ou de relações sexuais com cadáveres) o instinto sexual vai surpreendentemente longe em sobrepujar com êxito as resistências da vergonha, repugnância, horror ou dor. (FREUD, 1905. Pg. 163).
Segundo Freud (1905), a perversão é inerente a todo humano e tem sua origem na infância quando a criança é possuidora da sexualidade perverso poliformo, o que Freud classifica como sendo uma sexualidade com várias finalidades para atingir seus objetivos, podendo assim estender-se para a fase adulta. Com essa afirmação em seus estudos, o pai da psicanálise mudou completamente os rumos do significado do termo ‘perversão’ dentro do campo científico pois até então a sexualidade era vista apenas como uma forma para se chegar à reprodução, descartando assim qualquer outro propósito derivado da sexualidade para o ser humano. Ao falar da perversão na criança, e enfatizando a importância em diferenciar a perversão infantil da adulta, ele abriu novos horizontes para se refletir em torno da perversão fazendo então com que se estreitasse o abismo entre perversão patológica e normalidade.
Se uma perversão, ao invés de aparecer simplesmente ao lado do objetivo sexual normal e somente ela - se, ao invés disto, ela os expulsa completamente e toma o lugar deles em todas as circunstâncias – se, em suma, uma perversão tem as características de exclusividade e fixação- então estaremos, via de regra, justificados em considerá-la um sintoma patológico (FREUD, 1905. Pág. 163).
Partindo desta premissa, podemos então exemplificar atitudes de alguns psicopatas da história que através de uma perversão patológica cometeram crimes terríveis envolvendo atos sexuais sadistas, que horrorizaram sociedades de várias épocas ao longo dos tempos. Dentre as perversões mais comuns em psicopatas seriais Killers estão o sadismo, necrofilismo e apesar de raro, mas não incomum, o canibalismo. No caso destes assassinos, o desejo de sentir o prazer sexual através de atrocidades para com o objeto sexual se torna prioridade, é então impossível descartar tais perversões patológicas de seus objetivos sexuais. Mas como esclarecido no capítulo anterior, o psicopata não tem nenhuma deficiência em sua capacidade de discernir o certo do errado, e apesar de um psicopata assassino em série ou serial Killer ter uma anomalia psíquica muito maior do que um psicopata que não pratica atrocidades, sua diferenciação de um doente mental, como por exemplo um esquizofrênico, é imprescindível.
3.1 Doença Mental – Apontamentos de Diferenciação Quanto à Psicopatia
É muito comum presenciarmos comentários e comparações errôneas quanto a perversidade de um psicopata e os atos de um doente mental. É de grande importância analisarmos o que de fato acomete uma doença mental para podermos então fazer este contraponto entre esta grotesca diferença entre um psicopata e um psicótico. Portadores de transtornos que envolvem psicoses são vítimas de delírios e alucinações nas quais os deixam incapazes de discernir entre o certo e o errado que envolve seus atos, sejam eles inofensivos ou sejam crimes. O psicótico em surto é capaz de obedecer a vozes que em sua mente se tornam totalmente reais pois sofrem de uma ruptura da realidade e pensamentos totalmente confusos, fragmentados.
Dalgalarrondo (2008, apud Jaspers 1979, pg.247) assevera que:
A alteração da consciência consiste na suspensão da sensação normal do próprio Eu, corporal e psíquico, na carência da consciência do fazer próprio, no distanciamento do mundo perceptivo, na perda da consciência do sentimento do Eu. Para Jaspers, o curioso deste fenômeno é a condição qual o homem existindo já não pode sentir sua existência. (DALGALARRONDO, 2008 apud Jaspers 1979, pg.247).
Corroborando esta afirmação faz-se curioso, para uso de exemplo, a triste coincidência do tempo em que este trabalho foi desenvolvido com a tragédia que aconteceu no dia 05/10/2017 na cidade de Janaúba, Minas Gerais. Damião Soares dos Santos, 50 anos, era segurança da creche “Gente Inocente” e segundo informações das autoridades que cuidam do caso, na data da tragédia, ele teria ido à creche para levar um atestado médico que indicava problemas de saúde. Ao chegar na creche, o segurança jogou álcool nas crianças, nele mesmo, e em seguida ateou fogo causando a morte de oito crianças, uma professora e a própria.
Corroborando esta afirmação faz-se curioso, para uso de exemplo, a triste coincidência do tempo em que este trabalho foi desenvolvido com a tragédia que aconteceu no dia 05/10/2017 na cidade de Janaúba, Minas Gerais. Damião Soares dos Santos, 50 anos, era segurança da creche “Gente Inocente” e segundo informações das autoridades que cuidam do caso, na data da tragédia, ele teria ido à creche para levar um atestado médico que indicava problemas de saúde. Ao chegar na creche, o segurança jogou álcool nas crianças, nele mesmo, e em seguida ateou fogo causando a morte de oito crianças, uma professora e a própria.
Segundo relatos da família, Damião já vinha apresentando problemas de saúde e sinais de “loucura” desde o ano de 2014 e alegava que sua mãe envenenava sua água, por isso estava lhe causando problemas. O segurança da creche se enquadra no típico exemplo de um doente mental que sofria de graves transtornos acompanhados de mania de perseguição, delírios e alucinações e infelizmente esses sintomas custaram a vida de crianças que não tiveram a chance de poder se defender do ataque brutal. O fato de Damião ter ateado fogo em si mesmo mostra o sofrimento psíquico e a desorganização mental que não é comum em um psicopata como vimos no capítulo primeiro capítulo.
Poderemos ter um melhor delineamento dessa diferença a seguir, com casos de crimes cometidos por psicopatas, que ao contrário de Damião, sabem exatamente o que estão praticando, sentem prazer com isso e não sentem nenhum remorso, portanto, dificilmente acabariam com a própria vida depois de cometer um crime ou ato que lhe causasse prazer.
3.1.1 Alguns Exemplos de Psicopatas
Os seguintes exemplos que serão aqui expostos foram baseados nos estudos de casos do livro “Serial Killers Anatomia do mal-histórias reais e assassinos reais” de Harold Schechter (2014). No livro o autor percorre pelos mais macabros crimes cometidos por psicopatas assassinos, muitos deles, mundialmente conhecidos pela repercussão absurda causada pelo espanto da sociedade frente a tanta maldade.
Começaremos por Edmund Kemper, popularmente conhecido como o ‘assassino de colegiais’. Kemper foi criado por sua mãe que o insultava constantemente por causa de sua aparência física e seu jeito “esquisitão”. O jovem cresceu nesta atmosfera tóxica de rejeição e o resultado foi um forte sentimento de inferioridade e ódio por sua mãe no qual estendeu para todas as mulheres. Segundo relatos, no ensino fundamental o então futuramente assassino teria começado a dar sinais de sua perturbação mental e seu ódio pelas mulheres, tendo uma convicção de que a única forma para não ser humilhado por uma mulher seria matando-a. Na infância, Kemper desmembrava as bonecas de sua irmã e maltratava animais domésticos tendo decapitado um gato da família com uma faca e enterrado um outro gato vivo. Com 15 anos de idade, o então adolescente foi enviado para morar com os avós paternos e acabou assassinando a avó com um tiro na cabeça e completou o assassinato cruel com punhaladas a facadas. Quando seu avô retornou, foi surpreendido com tiros antes de atravessar a porta de entrada, e o assassino chamou sua mãe e esperou a chegada da polícia. Ao relatar os motivos para a polícia Kemper disse que apenas queria sentir a sensação de atirar na avó e matou também o avô para poupá-lo do sentimento de ver a esposa morta. O jovem psicopata foi internado em um Hospital Psiquiátrico na Califórnia e apesar de inicialmente ter sido diagnosticado como esquizofrênico se mostrava cada vez mais interessado em parafilias sexuais, e conseguindo enganar os terapeutas com uma máscara de alguém dócil teve sua liberdade em cinco anos. Foi a porta da liberdade para o início de seus mais pervertidos atos sexuais contra mulheres. As primeiras vítimas foram duas jovens de 18 anos colegas de quarto de Kemper, que ele levou para uma estrada deserta durante uma carona, as esfaqueou e levou-as para casa tirando fotos dos corpos e fazendo sexo com as vísceras das jovens. Outras seis jovens tiveram esse mesmo destino até que finalmente decidiu degolar, violar e esmagar com um martelo a cabeça de sua mãe, seu então objeto original de ódio. Kemper entregou-se a polícia e sua pena foi prisão perpétua permanecendo até os dias de hoje.
O próximo exemplo é terrivelmente chocante tanto pelos crimes quanto pela autora dos mesmos e ocorreu em 1968.Trata-se de Mary Bell, uma menina de 11 anos, britânica e com o rostinho angelical que escondia a verdadeira face malígna de sua personalidade. Mary Bell foi criada por sua mãe que tinha uma mente totalmente perturbada tendo submetido a filha desde a mais tenra infância a abusos e violações cruéis e insuportáveis para qualquer criança. A mãe da menina permitia que homens á violassem das mais perversas e brutais formas. Sua genitora estaria então constituindo a formação de um monstro que direcionou toda sua maldade para crianças inocentes das quais com ajuda de uma amiga assassinou friamente e ainda fez questão de ir pessoalmente dar a notícia as mães das crianças e se sentia satisfeita com o sofrimento delas. A semente do mal (assim chamada) matou brutalmente dois meninos de três anos que ela estrangulou e mutilou sexualmente. Descoberta rapidamente pelas autoridades a pequena assassina foi condenada à prisão perpétua.
O terceiro e último caso que será apresentado neste capítulo é conhecido mundial e nacionalmente. Quem nunca ouviu falar em Pedrinho matador? Pedro Rodrigues Filho nasceu em uma fazenda em Santa Rita do Sapucaí (MG) com ferimentos no crânio causados por pancadas que o pai deu na barriga de sua mãe. A primeira vítima do psicopata brasileiro foi o vice-prefeito de sua cidade que morreu com tiros de espingarda disparados por Pedro após a vítima ter demitido seu pai do emprego. Seu pai foi acusado de ter roubado a merenda da escola onde trabalhava como segurança, e depois do vice-prefeito ter o demitido ele resolveu se vingar friamente e assassinou também um outro funcionário que ele julgou ter sido o verdadeiro ladrão. Depois dos assassinatos fugiu para Mogi das Cruzes em SP e passou a matar traficantes para assumir os pontos de tráfico. Assumiu o lugar de um ex traficante que havia falecido casando-se com a viúva deste. Algum tempo depois polícia acabou executando a mulher de Pedro que passou a torturar várias pessoas no intuito de descobrir quem haveria causado a morte dela. Assassinou seu próprio pai depois dele ter matado sua mãe a facadas. Pedrinho matador deu 22 golpes de facadas em seu pai, arrancou seu coração, mastigou uma parte e depois cuspiu, segundo a confissão do próprio. Em 1973 foi preso pela primeira vez, e matou dezenas de companheiros de prisão. Tatuou em seu braço a frase “ mato por prazer”. Passou 34 anos na prisão e em 2007 ganhou liberdade tendo sido detido novamente em 2011 após participar de diversos motins de rebeliões. Todas as penas nas quais foi acusado soma ao todo quase quatrocentos anos de prisão.
É nítido que crimes como estes são configurados por personalidades monstruosas onde seus autores sabem exatamente o que estão causando para as vítimas, familiares e sociedade. Além disso sentem prazer em fazer o que fazem e com a plena consciência de que seus atos causam dores inenarráveis.
Diante disso, é ainda mais explícito a necessidade de diferenciar cuidadosamente uma patologia que priva o indivíduo de ter uma escolha (doença mental) e a psicopatia. É por esta linha de pensamento que evidenciaremos o papel dos psicólogos forenses nos presídios e penitenciarias de segurança máxima, ainda que seja no Brasil, onde a situação carcerária encontra-se ainda engatinhando no tocante a questão de organização, segurança e justiça.
4. A Atuação Do Psicólogo Frente ao Diagnóstico de Psicopatia
Até aqui trouxemos os principais aspetos perversos e características de um psicopata bem como mostramos no que eles se diferenciam de um doente mental e também a importância desta diferenciação. Dentro do sistema prisional, esta tarefa é cabida a vários profissionais, dentre eles, nosso foco de estudo, os psicólogos.
As dificuldades de atuação dos psicólogos jurídicos nesse âmbito não é um assunto inédito e nem tão pouco desconhecido especialmente aos futuros candidatos a atuar na área. Apesar disso fez-se necessário neste trabalho trazer mais esclarecimentos em torno desta questão visando entender melhor estas falhas nas quais este universo dos psicólogos jurídicos está inserido. Segundo Freitas (2013):
A Psicologia Jurídica é uma das nomeações utilizadas para a área da Psicologia que se preocupa com os temas ligados ao sistema judiciário ou às práticas jurídicas. Sendo uma especialização reconhecida recentemente pelo Conselho Federal de Psicologia, conforme a Resolução Nº 14/00 de 20 de dezembro de 2000, tem como objeto de estudo, como afirma França (2004), as consequências das ações jurídicas sobre o indivíduo. (FREITAS, 2014, pg. 190).
Bonfim (1994), assevera que a psicologia jurídica estaria ligada ao sentido mais abrangente do termo, ou seja, envolve maiores possibilidades teóricas e técnicas, estando ligada principalmente ao juizado de menores, varas cíveis e penitenciárias.
Por outro lado, conforme Freitas (2013), a psicologia forense seria uma área específica onde o psicólogo trabalharia com perícias, perfis psicológicos de possíveis criminosos, avaliação de testemunhos, avaliação de danos psíquicos e atividades do gênero. Porém, no Brasil os dois termos são usados como tendo apenas um significado e o que pode ter influenciado esta errônea interpretação seria a Resolução Nº 14/00 de 20 de dezembro de 2000, que reconheceu a especialidade da Psicologia jurídica como um todo.
Neste trabalho focaremos na psicologia forense pois é dentro desta vertente que estaremos respaldados a refletir acerca da atuação do psicólogo com psicopatas. Esta atuação é um desafio para os psicólogos visando a difícil interação com esses indivíduos que tem por inerência em suas atitudes a manipulação e a total rejeição a qualquer tentativa de reflexão em torno de qualquer atividade que possa ser direcionada a eles.
O conjunto de características apontados por Cleckley nos capítulos anteriores sobre a psicopatia tornou-se um alicerce para a psicologia trabalhar com o prognóstico dos psicopatas. Foi influenciado por estes conceitos que Robert Hare (1993), criou a conhecida escala Hare, o Psychopathy Checklist (PCL), primeiro instrumento destinado para identificar e medir o grau de psicopatia.
Ambiel (2006), afirma que a reincidência criminal no Brasil estivesse chegando a 80% e pensando neste número alarmante podemos ligar esta problemática a superlotação dos presídios que comportam tanto os presos novos quanto os detentos que retornam. Sabemos que o sistema prisional brasileiro sofre uma séria deficiência em conseguir cumprir o papel de recuperar os indivíduos que cometeram atos que infringem a lei, e esta deficiência gera cada vez mais problemas para a sociedade.
Pensando neste problema Hilda Morana (2003), em sua tese de doutorado defendida na Faculdade de Medicina de São Paulo, adaptou a escala PCL para ser usada no Brasil identificando o ponto de corte compatível com a população brasileira e tornado possível saber a partir de que pontuação o sujeito pode ser considerado um psicopata. A então escala PCL-R (Psychopathy Checklist Revised), teve a venda permitida pelo Conselho Federal de Psicologia (CRP).
Em sua tese a autora defende que a probabilidade de retorno ao crime não é definida pelo tipo do crime cometido pelo indivíduo, mas sim pela personalidade de quem o cometeu.
[...] A condição de psicopatia é a condição mais grave de desarmonia na integração da personalidade. Psicopatia, segundo Hare e colaboradores (1998), é o constructo clinico da maior relevância para o sistema jurídico penal, e as implicações do estudo deste transtorno são importantes seja por sua relação com taxas de reincidência criminal, seja para a seleção de tratamento apropriado e programas de reabilitação do sistema penitenciário. (MORANA, 2003. Pg. 5).
Fica claro, porém que a devida separação de um criminoso comum e dos psicopatas dentro das penitenciárias é de suma importância pois é explícito que manter um psicopata dentro de um plano de tentativa de inserção social é negar todos os estudos em torno do tema que afirmam claramente que este indivíduo não tem chances de conviver em sociedade sem cometer delitos ou até mesmo assassinatos para conseguirem realizar as satisfações que constituem sua estrutura psíquica.
Discriminar a população carcerária segundo critérios de reincidência criminal não é, como poderiam pensar alguns, uma atitude teocrática, mas sim possibilitar que sujeitos com o menor potencial de reincidência criminal não sejam prejudicados, em seu processo de reabilitação, pela convivência danosa dos que apresentam tendências mais pérfidas da personalidade. Neste âmbito é que o PCL-R inclui-se como elemento de seleção. Contudo cabe ressaltar que não é pelo tipo de crime que se define o reincidente criminal, mas pela análise de sua personalidade. (MORANA, 2003, pg.17-18).
Morana (2003), defende ainda, que é necessário diferenciar dois subtipos de diferenciação dentro do TPA, seriam eles o transtorno parcial (TPP) da personalidade que configuraria os criminosos comuns e o transtorno global da personalidade (TGP), que configuraria o psicopata conceituado por Hare.
É importante ressaltar que o principal objetivo da PCL-R é identificar indivíduos que tem a maior chance de voltar a cometer crimes, separando-os assim dos que teriam chances de se recuperarem e por consequência facilitar essa tarefa para os profissionais que atuam no sistema prisional.
Portanto, por ser rica em detalhes e muito complexa a PCL-R exige total preparo e treinamento para o seu manuseio, sendo necessário para o profissional o total domínio dos critérios e variações de conceitos que envolvem um diagnóstico de psicopatia.
4.1 Funcionamento da Escala PCL-R no Brasil
Oliveira (2011), descreve que a escala PCL enumera vinte características relacionadas aos psicopatas e então cada sintoma elencado tem uma pontuação que determina um mínimo de escore. Quando este escore é atingido configura-se a psicopatia no indivíduo.
Hare (1991) revisou e enriqueceu a escala, por isso então PCL-R, tornando-a assim um meio para diagnóstico de psicopatia utilizada mundialmente.
O PCL-R é, então, uma lista de 20 sintomas e requer um julgamento clínico de um especialista para pontuar cada um. Cada termo é avaliado em uma escala de 3 pontos, variando de 0 a 2. Um escore de 0 indica a ausência de um sintoma, 1 indica a possível presença de um item e 2 é pontuado se o sintoma for apresentado sem dúvidas pelo examinado. Se o sujeito marca 30 pontos ou mais, já é considerado psicopata. Além disso, Hare dividiu os elementos em dois fatores: o Fator 1 possui 8 itens, e é rotulado como o fator interpessoal/afetivos porque é composto de itens que, em grande parte, se relacionam ao comportamento interpessoal e à expressão emocional. Já o Fator 2 é o fator do estilo de vida socialmente desviante/antissocial, com itens baseados no comportamento (OLIVEIRA, 2011, p. 6-7).
Morana (2003) ressalta que “o PCL-R não é um teste e sim um instrumento que depende de avaliação dimensional da personalidade”. Em sua adaptação para o território nacional a autora identificou o ponto de corte correspondente aos resultados a partir de rigorosos estudos realizados junto a psicólogos especialistas na prova de Rorschach para corroborar os resultados da avaliação da escala PCL-R.
Importante ressaltar que a comparação dos resultados entre a prova de Rorschach e o PCL-R não se dá ponto a ponto. Não se trata de validar o PCL-R através de correlação pontual com índices da prova de Rorschach. Ambos os instrumentos não correlacionam uma medida única, mas seus dados são analisados em conjunto permitindo a inferência diagnóstica da personalidade no caso do Rorschach e da condição de psicopatia no caso do PCL-R. (MORANA, 2003, pag.87).
Sua pesquisa e validação do PCL-R colaborou para um avanço importante na esfera prisional já que este para cursar a trajetória de processos que envolvem a punição dos detentos, parte da premissa de que os indivíduos devem ser avaliados a partir do tipo de crime que cometeu e não por sua tendência a continuar praticando os delitos. O PCL-R deve ser manuseado por profissionais devidamente capacitados e com experiência.
A atual administração da secretaria da administração penitenciária tem por critério a separação dos condenados por tipo de delito...é neste projeto que o trabalho tem relevância, pois, permite, com a aplicação do PCL-R, separar os psicopatas do convívio com os criminosos comuns. (Morana, 2003, p.154).
Diante da situação do sistema carcerário no Brasil que é marcado por uma enorme superlotação, fato este, que dificulta perceptivelmente o trabalho dos profissionais que trabalham com os detentos, fica claro que a adaptação da escala PCL-R se fez necessária e na verdade até mesmo tardia, levando em consideração o cenário prisional.
O trabalho dessa pesquisa já tem firmado com o senhor secretário da administração penitenciária uma proposta ulterior de uma vez treinados equipes para a aplicação do PCL-R, já traduzido e validado para a população brasileira, identificar os psicopatas na população carcerária e removê-los para ambiente penitenciário adequado. Esta proposição tem o objetivo de liberar as prisões da influência nefasta dos mesmos e dessa forma promover a reabilitação dos criminosos não psicopatas, a exemplo de países como Canadá e Inglaterra... (MORANA, 2003, p.39).
Diante de tudo que vimos até aqui, qual seria a perspectiva de atuação dos psicólogos dentro do âmbito forense para trabalhar com psicopatas?
Sabemos que o despreparo para a área é o ‘calcanhar de Aquiles’ para o sucesso e processo de desenvolvimento da psicologia forense e é isso que abordaremos a seguir.
4.1.1 As Perspectivas do Desenvolvimento da Psicologia Forense no Brasil.
Por ser uma área nova no Brasil e por ter uma deficiência de especialização na área a psicologia forense se vê enfrentando uma realidade na qual se tem poucos profissionais capacitados para atuar. Acompanhando este problema temos ainda a dificuldade de relação profissional com promotores, advogados, juízes entre outros que atuam no âmbito jurídico por desconhecerem as práticas do psicólogo forense.
A falta do tema dentro da graduação de psicologia também pode ser considerada um agravante para esta escassez de profissionais capacitados, pois é ainda na graduação que temos a base dos significados de cada atuação dentro da profissão.
No tocante a questão do trabalho do psicólogo com psicopatas, diante das pesquisas realizadas, fica muito claro o quão complexo é este processo de identificação, pois como mostrado nos estudos de Hare, para se fechar um diagnóstico de psicopatia ou TPA é preciso preencher todos os critérios e ainda podem existir indivíduos que tem TPA, mas não se enquadram dentro da psicopatia.
Visto isso, fica claro que um psicólogo forense nesta área, assim como qualquer outra dentro da psicologia, deve estar totalmente habilitado dentro do que o âmbito de atuação exige, que neste caso, deve ser principalmente o domínio dos critérios de Hare (1988) e Morana (2006) em torno da psicopatia e dos pontos de corte que identificam esses indivíduos.
Torna-se necessário um amplo conhecimento a respeito dos instrumentos que são utilizados, além de pesquisas mais abrangentes, como o trabalho com as pessoas que convivem com esses indivíduos. Cabe ao psicólogo forense também uma grande responsabilidade e cuidado para que não haja um julgamento frente aos atos realizados por essas pessoas e para que a subjetividade do profissional não prejudique todo o desenvolvimento da avaliação (FREITAS, 2013, p.202).
Apesar de todos os problemas que envolvem o sistema carcerário no Brasil, que não nos cabe aqui enumerar, nem muito menos descrever, pois muitos deles estão sob domínio apenas de maiores autoridades do Estado, é necessário que o papel do psicólogo se abranja cada vez mais no sentido de visar o bem-estar da sociedade através da atuação dentro das penitenciárias. (MORANA, 2006).
Dentro da prática forense, o psicólogo deve se ater a não se contaminar com sua subjetividade mais que nunca, já que estará frente a frente, muitas vezes, com os mais perversos crimes, mas que nem sempre terão sido praticados por psicopatas, e sim por um indivíduo que apesar de seus terríveis erros, tem grande possibilidade de reabilitação dentro da sociedade (MORANA,2003).
É de grande importância a busca por se especializar sempre no tema, compreender os fenômenos que levam um indivíduo a cometer um crime, saber trilhar os caminhos que levam as possibilidades de identificar quem realmente tem chance de ser reabilitado, e quem, por uma constituição irreversível psíquica, é impenetrável no tocante a questão de tratamentos e medidas sócio- educativas (MORANA, 2003).
Diante disso, configura-se, de que lutar por este propósito é lutar por todas as pessoas de bem que almejam um mundo menos violento e mais justo, e que, em hipótese alguma isto seria uma arrogante pretensão da psicologia, como alguns podem vir a pensar, mas sim a consciência de que o fim da maldade é uma utopia, porém sua diminuição é um processo que pode ser trabalhado pelo menos no sentido da punição (BONFIM, 1994).
5. Considerações Finais
É perceptível a complexidade do tema levantado neste trabalho e o extenso caminho de pesquisas e estudos em torno da psicopatia, suas nuances e a dificuldade dos profissionais da área forense para direcionar indivíduos que são psicopatas rumo a medidas cabíveis para tal situação, visando tanto a segurança da sociedade como também uma melhor organização no sistema carcerário.
Faz-se mais que necessário, esclarecer para toda a população a diferença por trás das intenções dos crimes e delitos cometidos por indivíduos psicopatas e indivíduos que tem algum transtorno mental, pois assim, a consciência da importância da ênfase em torno da doença mental e as melhorias das condições de tratamento para a mesma, poderiam serem levados mais a sério.
Os estudos e pesquisas em torno da psicopatia vem ganhando espaço no Brasil e a PCL-R adaptada para o país trouxe novas possibilidades de diferenciar esses indivíduos dos criminosos comuns, porém, é visível a necessidade de mais planejamento e organização para que essa diferenciação dê mais resultados no tocante a questão de ressocialização dos indivíduos que são os detentos que não possuem uma perversão patológica que direciona a reincidências de crimes mesmo cumprindo pena.
Os psicólogos dentro desta vertente devem se ater ao fato de que o que mostra a psicopatia de um indivíduo não é o episódio de ter cometido algo grave ou chocante, mas sim a frieza e tendência a não parar de cometer esses atos, visando através de respaldos resultantes de estudos, esclarecer a população que essa reincidência acontece pelo fato de essa necessidade criminosa estar na constituição de sua própria personalidade.